Monday, February 21, 2011




A MINHA GERAÇÃO


“O Desejo”, artigo de opinião de Guta Moura Guedes publicado no Público da passada quinta-feira, é um texto que reúne diversas qualidades - ideias lúcidas, boas intenções, uma certa dose de esperança – eventualmente prejudicadas por um discurso demasiado genérico e pouco argumentativo na defesa da cultura “como um vector de agregação, de mobilização, de coesão social e também como um vector de requalificação.” Face ao “desejo nacional” de “sair daqui” – “sair desta crise e do contexto onde colectivamente nos colocámos” – Guta Moura Guedes apela, mesmo não sendo muito explícita nesse apelo, às possíveis formas de emancipação, individual e colectiva, promovidas pelos agentes culturais (onde incluo os designers, críticos de design, professores de design). Da minha parte, seria ainda mais explícito nesse apelo, desde logo por não se tratar de um simples apelo mas sim de uma responsabilidade que cabe aos agentes culturais (expressão tendencialmente abstracta mas menos abstracizante que “cultura”) e que parece estar a ser esquecida face a uma súbita (?) onda auto-condescendente e desresponsabilizadora.

O imenso palco dado – pelas redes sociais e media convencionais – às criticas ou, mais frequentemente, lamentos da “geração à rasca”, da “geração nem nem” ou da “geração parva” (várias gerações pareceram rever-se na canção dos Deolinda) criou uma ilusão de activismo à elas associado, ao ponto de, rapidamente, se estabelecerem ligações (a nossa cultura é especialista nessas sinapses livres) entre a revolução na Tunísia ou no Egipto e a anunciada manifestação “Geração à rasca” marcada para o próximo dia 12.

A canção dos Deolinda e, em particular, a sua letra é bem menos interessante do que o fenómeno que ela gerou. A dimensão da explosão não é necessariamente proporcional à dimensão do rastilho, e isso é bom. O texto de Rui Tavares publicado no Público de 02 de Fevereiro é um exemplo de instrumentalização ideológica de uma canção, e é positivo saber que ainda há quem se empenhe em fazer política assim. Mas a bola de neve que entretanto se gerou, essa parece-me pouco interessante, errática e inconsequente. A contestação tem sido bem mais passiva do que activa, bem mais negativa que positiva. Tem, com frequência, assumindo o tom da censura mais do que o tom da crítica. A análise critica do que existe pressupõe que a “situação real” não esgota as possibilidades da existência (o que é, não é, necessariamente, o que pode vir a ser) e que, portanto, há alternativas susceptíveis de superar o que é criticável no que existe; já a censura encontra um auto-comprazimento da declaração do que é censurável, não a motivando nenhum passo seguinte.

Entre muitos da minha geração e da geração seguinte, encontro essa vontade crítica de emancipação, essa consciência crítica de que há diferentes formas e graus de subjectividade, diferentes formas e graus de cidadania e de que a cidadania representativa não esgota as possibilidades de um agir civil autónomo. Na última década fomos tendo sinais da afirmação de um novo modelo de equilíbrio entre formas de regulação e formas de emancipação. Fomos tendo exemplos das consequências da crise da cidadania representativa e da passagem para formas de cidadania directa. Também o artista e o designer se tornaram entrepreneurs, empreendendo novas formas de negociação entre a sociedade e o projecto. A canção dos Deolinda não representa, em relação a essa revolução Pro-Am um retrocesso, mas talvez represente, em todo o caso, a tentação de assobiar para o lado.

1 comment:

André Fialho said...

Cara, cheguei no seu blog através do post sobre a Oz Magazine. Tô feito pirado procurando sites semelhantes ao Oztrading (agora fora do ar), mas não acho nada - o máximo que vi foram as imagens postadas por você.

Me diz aí, cê baixou alguma revista inteira por lá?

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com