Sunday, November 08, 2009

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SE HOUVER ALGUM VAUGHAN OLIVER, POR FAVOR LEVANTE-SE!



Do boom do rock português do início da década de 1980 e dos anos que se seguiram, não guardamos o nome de nenhum designer ao qual possamos chamar de “nosso Vaughan Oliver” ou “Peter Saville português”.

Os nomes que encontramos creditados pelo design das capas dos discos parecem, desde logo, prometer o pior, entre outras, por três razões:

ou não são suficientemente sérios para serem levados a sério: nomes como Ni, Licas, Xico Z. ou Vitinha este último ligado aos Rádio Macau;

ou são demasiados sérios para serem levados a sério: como os aristocráticos Bernardo de Brito e Cunha, que trabalhou com os UHF, e António Campos Rosado que trabalhou com os Heróis do Mar;

ou soam demasiado ao nome de uma empresa de import&export: vejam-se os exemplos de Azinheira F&S ou Ana Cristina B.P.F que desenhou a capa do 78-82 dos Xutos e Pontapés.



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Que o design talvez não fosse, naquele contexto, assim tão importante, percebe-se igualmente por três factos:

um número muito significativo de capas de discos não apresentam a identificação do autor, como se o design fosse coisa menor para ser creditado;

ou, por outro lado, têm demasiados autores, como se um só não fosse suficiente para fazer um bom trabalho. A capa do Anjo da Guarda (1983) de António Variações é um bom exemplo, sendo o trabalho gráfico creditado a António Variações, José Manuel Cruz e Silva, Rui Gonçalves, Francisco Vasconcelos e David Ferreira.

Ou, então, são os próprios músicos a desenhar a capa. Assim acontece com as capas dos Beatniks e dos Interface, com as capas dos Go Graal Blues Band (algumas interessantes) desenhadas pelo baterista Raúl B. Anjos ou com algumas capas dos UHF concebidas pelo vocalista António Manuel Ribeiro. O paradigma desta lógica de acumulação é dado por Pedro Ayres Magalhães que colabora no disco Sonho Azul de Né Ladeiras como compositor, letrista, responsável pelos arranjos, multi-instrumentista (toca sintetizador, caixa de ritmos, guitarra clássica e baixo), produtor e designer gráfico.



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Convém realçar que, em boa parte das vezes não creditar o trabalho gráfico é perfeitamente justificável, vejam-se as capas de Caminhando (1983) dos Da Vinci ou Guardador de Margens (1983) de Rui Veloso, trabalhos que muito poucos teriam coragem de assumir.


Analisada a partir da perspectiva da indústria discográfica dos anos 80, a história do design gráfico português torna evidente vários aspectos. Percebe-se uma certa fidelidade das bandas aos seus designers (como os discos dos Ananga Ranga sempre da autoria de Pedro Freitas ou os dos Táxi (com algumas soluções inovadoras) criados por José Júlio Barros); reconhece-se uma clara rivalidade entre as grandes editoras e seus designers (José Júlio Barros na Polygram; José M. Cruz e Silva na Valentim de Carvalho) ao mesmo tempo que editoras independentes trabalham com os seus designers underground como Rogério Bold da Rádio Triunfo ou Victor Lages.



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Apesar da indústria discográfica portuguesa ser pequena, alguns designers tiveram oportunidade de criar capas de discos a um ritmo intenso. O caso mais evidente talvez seja o de José Júlio Barros que entre 1981 e 82 assinou, entre outras, as capas de Tripas à Moda do Porto dos Trabalhadores do Comércio, Táxi dos Táxi, Danza dos Arte&Ofício, o interessante Oito Encomendas discriminadas no verso dos C.T.T. e Cairo dos Táxi.

Este género de produção gráfica permanece por estudar e embora muitos dos autores de capas de discos não fossem designers gráficos profissionais (alguns dos nomes mais activos dessa época, artistas ligados às editoras, como José Julio Barros, vinham da pintura e seguiram por essa via) encontramos ali um universo gráfico tão desequilibrado quanto sedutor.


Desse período ficaram-nos capas de discos boas ( como Hands Off dos Zoom desenhada por Fátima Rolo ou quase todas dos Mler If Dada), outras francamente más, outras estranhas (como a maioria das editadas pela Rádio Triunfo), outras pirosas (em discos do Tantra, Jarojupe ou Iodo). Numa diversidade que, afinal, não deixa de caracterizar o design português de então.

4 comments:

joao said...

UMA QUESTÃO...
Porque é que a crítica especializada em Design Gráfico (como por exemplo a do Ressabiator ou a do Reactor) parece apenas querer dialogar com os designers gráficos?
Será que na música, na literatura, no cinema e nas artes plásticas acontece a mesma coisa?

REACTOR said...

Para mim, faz sentido distinguir "teoria" e "crítica". Acerca da "teoria" pode evocar-se aquele episódio descrito pelo Bertrand Russell (1) que nos recorda ser, sobretudo, uma forma de questionamento. Já a "crítica", é sobretudo a afirmação de um "ponto de vista". E não há "ponto de vista" sem objecto.

O design corresponde a uma determinada sub-cultura, com a sua história, os seus heróis e vilões, as suas escolas, os seus mitos e os seus cânones. Naturalmente, a crítica do design tende a afirmar "pontos de vista" sobre o design, pontos de vista esses que, por vezes, podem ter uma validade circunscrita ao seu objecto (mas também raramente pretendem ter uma validade que o ultrapasse).

O design é uma actividade social. A afirmação de um "ponto de vista" sobre um determinado projecto, obra ou período da história do design deve à partida não esquecer o contexto desse projecto, obra ou período e, dessa forma, tende a abrir o leque do diálogo.

Mas um crítico de design tem de querer dialogar com designers. E o seu sucesso depende de conseguir ou não provocar esse diálogo. E sendo ainda tão limitado o diálogo sobre design em Portugal, não sei se é desejável querer abrir muito o leque. Acho mesmo (e contra mim falo) que isso acaba inevitavelmente por retirar eficácia.

Claro que a tua pergunta envolve uma outra questão: quem é o público de uma exposição de design? quem é o público de uma conferência de design? quem é o público de um texto de crítica do design? a resposta parece ser inevitável: designers.

Será que isso acontece na música, na literatura, no cinema? Não!

Mas aqui a culpa não é do designer que fez os trabalhos em exposição, não é do curador, não é do conferêncista; aqui a culpa não é do crítico, é do seu público.

1) certo indivíduo questionou um transeunte sobre a melhor forma de chegar a Winchester e seguiu-se o seguinte diálogo:

- O Sr. quer saber qual a melhor forma de chegar a Winchester?
- Sim!
- Winchester?
- Exacto!
- A melhor forma?
- Isso mesmo!
- De lá chegar?
- Exactamente
- Pois não faço ideia.

Russell afirmava que este fulano lhe lembrava alguns filósofos que querem tornar clara a natureza da pergunta mas não têm nenhum interesse em lhe dar resposta.

cskh said...

Achei um artigo interessante mas parece-me que faltou falar de alguns nomes. Pelo menos o Jorge Colombo. Não sei se haverá outros. Não sei se haverá mais.

cskh said...

[pergunta]De designers gráficos que se tenham destacado durante a década quais é que também contribuiram para capas de discos portugueses?

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PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com