Sunday, September 21, 2008



Relendo o ensaio clássico La deshumanización del arte, escrito em 1925 por Ortega y Gasset, questionei-me sobre o actual estado de desumanização do design.

Saul Bass afirmava que “um dos maiores desafios criativos que se colocam ao designer é o de se relacionar com as coisas que conhecemos melhor, vendo-as e mostrando-as de tal modo que nos permita conhece-las de novo.”. A atenção ao que é banal, ao que é quotidiano, ao que é habitual deveria estar no centro do trabalho de um designer.

Sinto concretamente que o design português é marcadamente desumanizado, na medida em que parece existir dentro de um "mundo paralelo" alheio ao que faz o quotidiano do nosso mundo real: os preços da gasolina, o desemprego, o silêncio de quem devia fazer oposição ao governo, a desorientação da nossa política cultural, enfim o mundo em que vivemos. Sinto que raras vezes o design português faz crítica, o que significa que a maioria dos designers na maior parte do tempo se acomoda e se contenta em fazer o trabalhozinho para o cliente, reduzindo a ideia de design pro bono à "perninha" que é dada para ajudar um amigo. Fazer crítica é estar atento. Vivemos num país de designers desatentos. Com isto não defendo que os designers devam "desatar" a escrever textos e manifestos, não entro sequer nessa discussão saloia da teoria e da pratica. Defendo isso sim a importância fundamental de através dos meios que se quiser escolher (o cartaz ou video, a cadeira ou acção directa, o texto ou flyer) o design português ter alguma coisa a dizer sobre o que o rodeia. Para que não estejamos rodeados de designers Manuela Ferreira Leite.

Milton Glaser reforça esta ideia ao comentar que “os melhores trabalhos nascem da observação de que há uma realidade que existe independentemente de cada um de nós. O designer opera conexões; o design constrói uma forma de unificar o que estava separado e constrói uma experiência na qual esta nova unidade proporciona uma nova forma de ver. O acto crucial de um projecto de design é o de compreender as ligações e mostrar, no que julgávamos desligado, um certo sentido de unidade.” A ideia não é nova. Kant chama-lhe de sensus communis ao qual devemos estar atentos por uma espécie de impulso ético que ele designa de humaniora. É esse sentido de humanidade que Ortega y Gasset dizia estar ausente do mundo da arte e que me parece ser frequentemente esquecido no mundo do design.

Entretanto recordei-me de outro livro que, também por estes dias, reli o extraordinário A morte de Virgílio de H. Broch. Não era Virgílio quem, no final da sua vida, se sente impelido a queimar a sua valiosa obra por se ter dado conta da sua irremediável fragilidade? No fim dos seus dias, Virgílio é assaltado por essa dúvida: teria sido mais importante não ter escrito a Eneida e ter ajudado um amigo?

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