Thursday, October 25, 2007




SPAM - JUNK MAIL POETRY

Teresa Lima é designer de comunicação, vive, estuda e trabalha em Londres há 3 anos. Formada em Design Visual pelo IADE prosseguiu a formação em Design de Comunicação na University of the Arts of London, actualmente trabalha no estúdio Micha Weidmann Design and Art Direction desenvolvendo projectos para a Tate Modern e recentemente para o Design Museum. O seu projecto SPAM – Junk Mail Poetry, um dos mais entusiasmantes trabalhos desenvolvidos por designers portugueses no último ano, deu o pretexto para uma conversa com o Reactor.





Reactor : Quando tomei conhecimento deste projecto, fascinou-me imediatamente a ideia deste trabalho pensar o designer como um "respigador", isto é, alguém capaz de integrar coisas - imagens, ideias, referências, bits - que uma determinada norma tende a excluir, permitindo que a reflexão sobre o valor disso que é excluído (e do que, por diferença do que é incluído) seja feita. Houve, desde o início, esta intenção de estar atenta ao detrito, à falha, ao elemento contaminado, em suma, àquela informação para a qual somos ensinados a não olhar?


Teresa Lima: Sim, precisamente! Uma das ideias centrais deste projecto tem a ver justamente com a ideia de recuperação, de reciclagem e de um olhar mais profundo sobre o quotidiano. Trata-se de recuperar algo (mensagens criadas com intuitos comerciais de honestidade duvidosa) e de o reposicionar num contexto radicalmente diferente, o da produção
artística/cultural, potenciando novos olhares sobre um mesmo “objecto”. Este novo olhar permite-nos traçar uma linha genealógica que liga estes detritos digitais a uma longa tradição artística/literária de ricas experiências em escrita permutativa e combinatória, aos poemas dadaistas de Tzara e aos 'cut-ups' de Gysin e Burroughs entre outros.
Penso que há de facto uma relação com a ideia de norma, ou cânone, que refere na pergunta, sobretudo pelas questões
que este reposicionamento pode levantar em relação à produção cultural ( Até que ponto é que a intencionalidade e o contexto da produção tem uma influencia no estatuto do que é produzido? O que é arte e o que é lixo?).
Penso que existe em tudo isto um certo romantismo, no ver valor e criatividade no indesejável ou supérfluo. Penso que essa capacidade de manter um olhar fresco e procurar o valor e a inspiração no inesperado e/ou descartado pode ser uma característica valiosa para qualquer designer.



2. O projecto Spam recupera uma técnica de composição do Burroughs, no entanto, o trabalho parece-me seguir a direcção contrária do trabalho do Burroughs. As suas obras faziam o Cut-Up do discurso e do pensamento académico tornando-o "estranho" e, à luz desse mesmo pensamento académico,"inútil", em contrapartida o trabalho da Teresa pega no que é tido por "estranho" e "inútil" e do seu Cut-Up resulta um objecto formalmente sedutor e "útil" (no sentido de integrado no contexto académico do Design). Neste sentido, o SPAM parece-me estar mais próximo das experiências de Desconstrução/Reconstrução feitas em Cranbrook...


T. L. : Penso que para responder a esta pergunta talvez seja útil clarificar alguns pontos em relação ao projecto SPAM. Através de uma caixa de e-mail criada especificamente para o efeito, um elevado numero de 'junkmail' foi recolhido. Este tipo de mensagens electrónicas tem objectivos comerciais (não me refiro a mails de cadeia) e são enviados em massa, dependendo da capacidade técnica dos programadores que os compõem para evitar os filtros de correio electrónico que impedem a recepção de mensagens automáticas e/ou de massa. Uma série de diferentes técnicas foram desenvolvidas para este propósito. Uma delas consiste em colocar a mensagem comercial propriamente dita num ficheiro de imagem que vai agregado ao e-mail, e no corpo da mensagem incluir texto que se pareça o mais possível com uma mensagem de e-mail dita 'normal', de forma a iludir os filtros. Para criar este 'texto de despiste' os 'spammers' tendem a recorrer a obras literárias disponíveis online ( na biblioteca digital Project Gutenberg, por exemplo), pilhando excertos de e-livros que são remisturados utilizando pequenos programas para criar uma nova mensagem, mais ou menos coerente. Cada mensagem poderá conter excertos de dois, três ou mais trabalhos, sendo que entre os que pude identificar como fontes se encontram poemas de Victor Hugo, Baudelaire, fábulas de Ésopo, “O Feiticeiro de Oz”, “Alice no Pais das Maravilhas” e uma série de romances de Louise May Alcott.
Em suma, a 'matéria prima' utilizada pelos 'spammers' e à qual é aplicada a técnica de Burroughs, é, pelo menos em parte, produção cultural de valor reconhecido (daí a sua preservação e acessibilidade universal na 'web'). Estas mesmas obras reaparecem como lixo nas nossas caixas de correio electrónico, depois de passarem por um processo que revela toda a criatividade e engenho dos programadores/spammers. Neste sentido o projecto SPAM promove um regresso ao universo artístico a que estes 'bits' pertenciam.
As intervenções directas no texto, e o uso da técnica de 'cut-up' são portanto dos 'spammers' e não minhas. A minha posição acaba por ser mais editorial, e não muito próxima de preocupações com semiótica e linguística que permeavam a escola de Cranbrook.



R. : Será possível a "Modern Day Poetry" criada a partir dos spams voltar ao seu "espaço original" tornar-se de novo um "spam"?

T. L. : Sim, já ponderei algum tipo de “devolução”, possivelmente através de uma mailing list que possibilitaria aos assinantes a recepção voluntária de (ex)-spam.



SPAM (Sinopse do projecto): This book is a collection of 55 spam messages received between April and May 2007. Spammers originally created each message to bypass e-mail security filters and allow advertisements on products and services such as
Insurance, fake University Diplomas, Viagra, and prescription drugs to reach our unsuspecting mailboxes.

They were composed using the modern day equivalent of the Cut-up technique popularized by William Burroughs, by mixing bits of separate texts, often literary works available on-line, to create surprisingly new compositions.

Spam e-mail can be annoyingly intrusive, and easily overlooked, but there is creativity at play in these discarded bits of digital information, that is here celebrated as Modern Day Poetry.

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PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com