Thursday, April 19, 2007

REACTOR ENTREVISTA EDUARDO CÔRTE-REAL


Eduardo Côrte-Real é um dos nomes mais destacados da reflexão e do ensino do design em Portugal. A sua tese de Doutoramento em Arquitectura (“O Triunfo da Virtude. As Origens do Desenho Arquitectónico”, Livros Horizonte, Lisboa, 2001) propõe uma reflexão do “pensamento enquanto desenho”, tese que Eduardo Côrte-Real tem desenvolvido em inúmeras publicações nas quais os processos de “configuração” e “interpretação” do mundo através do desenho são postos em evidência. Da sua ligação ao ensino (iniciada na Faculdade de Arquitectura) destaca-se o seu marcante contributo na afirmação nacional e internacional da Escola Superior de Design do IADE, instituição da qual é, actualmente, presidente do Conselho Científico e editor do Journal publicado pela unidade de investigação (UNIDCOM).

REACTOR: Há um post no Reactor intitulado “O estado do design”. O que é que este título lhe sugere actualmente?

EDUARDO CÔRTE-REAL: O "estado" sugere uma relação com os estados gerais? Clero, Nobreza e Povo? Ou os estados naturais? Líquido, gasoso, sólido e plasmático? Assim seria Popular e Plasmático.

R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Corresponderá isto a um fracasso ou a triunfo do design sobre a cultura contemporânea?

EC-R: Porque haveria o Design de triunfar sobre a cultura contemporânea? A pergunta não faz sentido especialmente relacionada com a afirmação anterior. A palavra design nunca identificou um campo disciplinar definido, sempre remeteu para campos híbridos e difusos e nem sempre de criação. Quando o momento em que quase que se autonomizou como disciplina, aproveitou as sobras da arquitectura da escultura das artes gráficas, da fotografia, da ilustração, da pintura, das artes em geral para operar em interstícios projectuais ou sem nome ou com nomes de pouca dignidade. O Design é a infraestrutura da cultura contemporânea por muitas razões. Se isto se pode por em termos de triunfos... venha a bolacha Maria.

R: Há um conceito estruturante do pensamento projectual do Walter Gropius que é o conceito de “design total”, a ideia é, em síntese, a de que ao designer compete a definição intencional das modalidades de relação social, o design seria, assim, uma disciplina de definição politica. Não lhe parece que este “exercício político” do projecto é tão mais eficaz quanto mais imperceptível for e, neste sentido, o carácter difuso do design não poderá ser um sinal da sua eficácia?


EC-R: Não me parece que se possa inferir o exercício político da expressão de Gropius a não ser pelo truísmo de que todos os actos sociais são políticos. Quando se fala em eficácia está-se a falar da eficácia do Design ou do exercício político? Só pode ser o do exercício político projectual. Não concordo. Parece-me que o exercício político do projecto beneficia do carácter difuso do design que aqui se parece confundir com discrição. Noto que a difusão não implica a imperceptibilidade. Coisas muito difundidas, como o Benfica, são muito perceptíveis. Algumas coisas muito difundidas são também discretas e julgo que é sobre isso que perguntas. Voltando ao design global de Gropius parece-me mais que é qualquer coisa que antecipa a sistémica, que alerta para os feixes de consequências sociais que os objectos criam (criariam). Gropius esquece que o Social expurga e aceita e recompõe, edita, por assim dizer, os objectos recriando os sistemas. Gropius era um senhor mal-humorado com vocação demiúrgica e totalitária, devemos julgá-lo pela sua produção e pela genealogia da sua produção e não pelas suas propostas teóricas.

R: Se lhe pedisse uma definição de design…


EC-R: Pediria.

R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?


EC-R: Parece-me que há todo o sentido em fazer distinções do ponto de vista analítico. Sabemos que o agente social e o agente do mercado estão amalgamados, são um só mas distingui-los analiticamente dá jeito.

R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante os designers mostrarem que existe uma diferença profunda entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…


EC-R: Não sei o que se quer dizer com projecto moderno. Projecto modernista? O Projecto da Modernidade? O Projecto do Modernismo? Tenho uma certa dificuldade em aceitar a existência de uma ética individual tal como é colocada. Aceito a possibilidade de uma ética individual para além da profissão. Uma ética profissional é sempre uma ética social que, em dado momento, se pode desfasar daquilo que se chama ética disciplinar e é aí que as novas disciplinas surgem, porque houve um desfasamento.

R: Historicamente, o design foi sendo pensado como uma disciplina de “dimensão utópica”. Ainda há espaço para utopias no mundo contemporâneo?


EC-R: Acho que historicamente não foi nada pensado como uma disciplina de dimensão utópica. Foi pensado como uma disciplina de dimensão prática virada para a produção de coisas realizáveis e isto é muito mais inerente às disciplinas do Design do que a dimensão utópica. Primeiro, acho que a disciplina do design não se chegou a constituir. Existe sim um enorme grupo de actividades humanas entre a ciência, embora participando da técnica, e a arte, embora participando da estética que designamos (a aliteração é irresistível) por design. Em geral lidamos com os aspectos antecipação controlada de artificialidade a produzir e com a reflexividade desses aspectos no produzido. Este domínio é incomensurável. (Creio que, em breve a palavra design cairá por excesso de universalidade). Sendo assim, o Design não tem dimensão utópica mas, em certa medida tem-na Profética. Há sempre uma dose de profecia envolvida. Aliás acho que era isso que o Gropius quereria dizer se fosse menos programático.
As Utopias existem sempre na contemporaneidade. Aí é que encontram toda a sua pujança. Nunca a Utopia foi mais Utópica do que no tempo de Thomas More. Agora, por definição, as Utopias não têm lugar. Na Renascença muitas utopias eram regressivas. As visões arcadianas correpondiam a uma espécie de regresso. Um bom exemplo é a Hypnerotomachia Poliphili. Os sonhos de Polifilo eram o perfeito "setting" utópico. Depois, com More, vieram as viagens, das quais, obviamente o Swift é o expoente máximo e tristemente conhecido apenas por Lilliput.

R: Recordo-me de uma utopia particular, “Xanadu” do G. Nelson. Como olha para o actual estado do ciberespaço e da blogosfera em particular?


EC-R: Xanadu? A capital de Kublai Kahn? Acho que o ciberespaço é um conceito esgotado. Cibernetica lida com o estudo dos processos automáticos de controlo. Depois passou a significar tudo o que lida com computação. Sendo assim criou-se a ideia de um ciberespaço correspondendo ao conjunto das comunicações electronicamente e digitalmente assistidas que hoje são muitíssimo variadas. Em breve o electrónico e digital será tanto que ciberespaço será quase um sinónimo de espaço e consequentemente inútil como conceito. Posso comparar o sistema de controlo de fornecimento de gás natural com o messenger dos meus filhos, apesar de se passarem no "mesmo espaço"?
Quanto à blogosfera sei apenas que se assemelha, vá-se lá saber porquê, a uma esfera. Não blogo a não ser por acidente quando procuro alguma coisa (aliás nunca entendi o conceito de surfar) uso sempre a internet ou com um propósito de comunicação (email) ou para encontrar coisas determinadas. Uso o computador para escrever ou desenhar e não por desfastio (perfiro a RTP Memória). Agora noto que quando faço buscas, cada vez mais me aparecem resultados em blogues. O problema é que uma esfera de prosápia e auto-exposição se pode vir a sobrepôr aos verdadeiros sítios do conhecimento e um dia todo o ciberespaço será bloguico e consequentemente inútil para a produção de conhecimento. De repente é como se o projecto Gutemberg se transformasse em tagarelice.

R: Quais são os seus blogues de referência?

EC-R: Não tenho blogues de referência

R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?

EC-R: Pode, agora, dar-me uma definição de Design? Agora não posso.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com