Tuesday, October 03, 2006



Repensar o Design

José Bártolo



1. A Crise da Modernidade revelou a urgência do reconhecimento das debilidades de qualquer interpretação do projecto de Design contemporâneo baseada na homogeneidade. Consequentemente, considera-se hoje legítima a defesa e a promoção das diferenças nas propostas projectuais.

Todavia, tais diferenças são, muitas vezes, apenas epidérmicas, fruto de um declarado protagonismo da forma, que por um lado resulta autonomamente elaborada e, por outro lado, se apresenta como sendo indiferente a qualquer reflexão que ultrapasse a concepção de um estímulo simplesmente óptico.

Neste contexto, torna-se necessário o debate sobre os significados e os limites do pluralismo contemporâneo, na tentativa de construir as condições capazes de torna-lo expressão da resistência à afirmação do totalitarismo global, em contraposição, portanto, ao apático resultado da multidão formalista que de tal totalitarismo é eficaz instrumento.

Neste sentido, é antes de mais prioritário empenharmo-nos no aprofundamento dos verdadeiros problemas que afectam a cultura material para consolidar um mínimo denominador comum das diferenças, que seja capaz de dar sentido aos horizontes possíveis que as diversas hipóteses de intervenção e de transformação poderão desenhar.

A autêntica discussão no âmbito da cultura do Design contemporâneo deve relacionar-se com um aprofundar das razões que estruturam o próprio Design, entendido como expressão de uma "acção socialmente eficaz", ou seja, como construção de elementos cujo referente é o cidadão e não o consumidor. De resto, somente potenciando as condições que permitem relacionar objecto e utente, no âmbito de um declarado empenho para a definição de um pacto social mais convincente, poderemos verdadeiramente falar de projecto no Design.


2. Um certo pluralismo epistemológico faz-se hoje sentir no campo do Design. Ele manifesta-se, por um lado, na profusão de métodos e ferramentas criativas colocadas ao serviço do Design e, por outro lado, na adopção, no interior da prática projectual, de jogos de racionalidade dificilmente conciliáveis como métodos fechados.

Operou-se no Design um verdadeiro corte epistemológico, que conduziu a uma emotional turn, clara nas obras de grupos como Droog Design , New Ergonomics Design ou os Tomato. Associada a esta viragem vai-se impondo a perspectiva da obra de Design como significante aberto que se dá a ser preenchido interactivamente, isto é, em diálogo entre o utilizador e o utilizado.

Actualmente, é no aprofundamento do significado da interface, entendida como elemento que permite uma apropriada interpretação da lógica de uso por parte do utilizador, que se pode compreender a consistência do papel do Design na sociedade.
Num ultrapassar de fórmulas que, no entanto, dão lugar a novas fórmulas dissimuladas por uma aparente abertura, a forma deixa de seguir a função para passar a seguir a emoção, surgindo neste contexto uma nova geração de artefactos cuja funcionalidade pode esgotar-se no seu carácter lúdico ou amigável.

No interior de uma nova cultura material, interessa pensar a confusão, hoje cada vez mais instalada, entre projecto de Design e projecto de marketing, com muitos objectos a serem pensados como objectos para vender numa ausência de responsabilidade social por parte de quem projecta.

Como estas questões são enquadradas por um novo contexto, importa pensar o próprio quadro de inscrição dos problemas. Identifica-lo-emos, provisoriamente, com o processo da Globalização, cujos efeitos no Design são evidentes, quer no reconhecimento da hegemonia de um Global Design como na transformação mental, de Designer e consumidores, que o vai consolidando.

Vivemos num período histórico que reflecte um conjunto de transformações originadas por um processo que devemos reconhecer ser, igualmente, contemporâneo.

O projecto de Design enquanto momento de reflexão e intervenção na sociedade confronta-se inevitavelmente com este processo, mas, aparentemente, por vezes parece perder força perante ele, deformando-se em vez de o conseguir reformar.

No exercício do projecto todos os fenómenos se tornam nossos contemporâneos, numa contemporaneidade precária, marcada, pelo seu arremesso para o futuro enquanto desenvolvimento projectual, Gui Bonsiepe afirma, a este respeito, que "o futuro é o espaço no qual se desenvolve o projecto e somente graças ao projecto é possível apropriarmo-nos do futuro". Esta contemporaneidade, porém, envolve sempre, o elemento histórico. Em relação ao processo de transformação contemporâneo torna-se necessário, para uma correcta compreensão, a sua integração dentro de um contexto mais amplo, que nos remete para a origem contemporânea do processo durante os anos 60.

O que se pode constatar é que todas aquelas contradições que colocavam em perigo o sentido do projecto de Design nos anos 60 e 70 não só não foram eliminadas como se acentuaram, em certo sentido, enraizaram-se, institucionalizaram-se. Andreia Branzi afirma, no seu La Quarta Metropoli, que "Todas as diferenças, as contradições e as contraposições que ao longo dos anos Setenta pareciam levar o sistema ao limiar da explosão ficaram intactas; mas a energia arrefeceu e a violência tornou-se abstracta, fria. Uma violência interna ou deformante e não explosiva e, portanto, libertadora".

As consequências do processo, que hoje tendemos a identificar com a Globalização, deixaram de operar transformações essencialmente materiais para passarem a operar transformações essencialmente mentais.

O dever do Designer de deter o processo, de o enfrentar, de o dominar projectualmente parece hoje mais urgente, mas a dificuldade de o conseguir parece, também, mais evidente.

O sentido político do projecto não parece, na época contemporânea, realizável individualmente, mas por outro lado os mecanismos da globalização parecem ser deformantes em relação à possibilidade de desenvolvimento autêntico de um projecto colectivo.

Na contemporaneidade, as dificuldades, os problemas, os sinais de crise, as perversões do sistema, parecem dominantes, enfraquecendo esperanças e utopias, e no entanto é perante todas essas dificuldades que o projecto de Design ganha razão de existir. Afinal, citando Hoderlin, "onde cresce o perigo cresce, também, o que nos salva dele"...

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